
Ele tinha algum distúrbio. Era a única explicação. Um
requebrado, um molejo, um gingado, era fora do comum. Não podia ouvir um
batuque que já começava a se mexer. Isso o atrapalhava.
José Silva dos Santos era um cidadão baiano, nascido
em Salvador, era um legítimo nordestino. Todos o chamavam de Zé Molo-mole.
Achavam que Zé não era “certo das ideias”, por isso, “molo”(miolo). Zé não
gostava (conseguia) de trabalhar, por isso, “mole”. Sua mãe era baiana do acarajé, seu pai era
vendedor ambulante, Zé tentava ajudar os dois, mas pra quem tem um “distúrbio
de dança no corpo”, conseguir ficar parado em Salvador é impossível.
Zé Molo-mole ia subindo a ladeira do Pelourinho com as
mercadorias do pai pra vender, mas era só o Olodum começar com os tambores que
Molo-mole já se desfazia todo. Era cintura rebolando, pernas tremendo, braços
balançando, e quando Molo-mole retomava sua consciência... Onde estava a
mercadoria? Molo-mole deu mole, perdeu a mercadoria.
Molo-mole tentava preparar acarajés com a mãe, mas
quando estava com a faca na mão... Aí sim ele era perigoso. Se algum cliente
chegava com celular tocando um pagode Molo-mole começava seu show, era cabeça mexendo, cintura num frenético
vai-e-vem, os braços balançando com a faca na mão. Era uma bagunça na mesa da
Baiana.
Molo-mole já tinha ido ao médico, mas o diagnóstico
era sempre o mesmo:
-Esse rapaz não tem nada, é perfeitamente normal.
Molo-mole transformava lotação de ônibus em bloco de
carnaval. Quando os “DJ´s de ônibus” soltavam o som... Era um empurra-empurra,
muita confusão, e de vez em quando algum engraçadinho começava a rodar uma
latinha de cerveja pra cima. Molo-mole tinha que voltar pra casa a pé, correndo
risco de vida, em meio a tantos sons.
Um dia o Pai de Molo-mole tentou dar um rumo na vida
do rapaz, levou ele para um grupo de dança. No início Molo-mole foi bem, passou
no teste pra entrar no grupo, colocaram uma música e ele dançou. Quando o grupo
foi ensaiar, Molo-mole mostrou quem realmente era. Ele não seguia a
coreografia, ele simplesmente dançava, se jogava, tremia. Molo-mole foi mandado
embora.
Um belo dia, Zé
Molo-mole resolveu andar pela cidade, a cada lugar que ouvia uma música
começava a dançar, até os músculos da boca mexiam. Molo-mole chegou numa rua
movimentada de Salvador, na verdade aquela rua tinha um aglomerado de gente,
era ano eleitoral, e um político estava fazendo um discurso. Molo-mole chegou
dançando, parecendo até desesperado.
-Meu povo, eu sempre fiz, e sempre vou fazer tudo por
vocês! Vocês terão mais hospitais, mais segurança pública, melhores condição
dos transportes. Ainda vai ter aumento de salário! Tudo que estiver ao meu alcance,
será feito neste meu próximo mandato.
A música do candidato começou a tocar, era uma paródia
de axé, muito dançante. A letra refletia todas as promessas do candidato que
tentava se reeleger. Zé Molo-mole ouviu a canção... Molo-mole olhou para as
pernas, olhou para os braços, para o quadril... Zé Molo-mole ficou surpreso,
ele não dançou. Deu as costas para aquele aglomerado de gente que gritava e
acompanhava a música do candidato, e saiu andando. Ele ainda deu uma última
olhada para aquelas pessoas.
Zé Molo-mole continuou com suas andanças, assim que
escutou a primeira música seu corpo respondeu: Os pés sapateavam, o quadril
requebrava, os braços rodopiavam, a cabeça balançava de um lado para o outro.
Zé Molo-mole era assim, não podia ouvir um batuque que
já começava a se mexer.
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